sábado, 29 de junho de 2013

Os desafios de enfrentar as drogas

De cada 100 usuários, apenas cinco estão em casas de recuperação. Destes, somente 20% concluem o tratamento
Entrar e envolver-se em um universo regido pelas drogas é fácil. A expansão do tráfico para além das grandes cidades propiciou o amplo acesso a substâncias que, financeiramente, possuem baixo custo, mas cujas capacidades de aprisionar e corroer vidas são de valor alto demais para ser calculado. No Ceará, conforme dados da Central Única das Favelas (Cufa) de 2011, somente o crack transformou cerca de 100 mil pessoas em dependentes químicos. O número total de usuários, hoje, certamente é maior.

O tratamento precisa envolver medidas múltiplas, não apenas a médica Foto: Wellington Macedo

Sair desse mundo é a parte difícil. Conseguir desvencilhar-se das amarras, pedir ajuda e, o mais importante, obter ajuda, exige esforços tanto de quem quer se livrar do vício como dos responsáveis por prestar assistência. O alto índice de dependentes, entretanto, mostra que ambos os lados não têm obtido sucesso, seja pela resistência dos usuários em procurar tratamento, seja pela ausência de amparo fornecido pelo poder público.
No Ceará, conforme dados da Cufa de 2011, somente o crack transformou cerca de 100 mil pessoas em dependentes químicos Foto: Thiago Gaspar / Agência Diário

Segundo a Pastoral da Sobriedade Regional Nordeste 1, de cada 100 pessoas que consomem drogas cronicamente, apenas cinco em estão em casas de recuperação. Destas, somente 20% conseguem concluir o processo de reabilitação. Desistem na metade do caminho por falta de incentivo e de meios para superar a dependência.

Na visão de Rogério Melo, coordenador da pastoral, para que a terapia de combate ao vício seja efetiva, é necessário, primeiramente, entender a complexidade do problema. Ele destaca que, nos casos mais extremos, o efeito das drogas atinge o usuário por completo, provocando desgaste físico, psicológico e também social, afetando seu convívio em grupo.

Por conta disso, segundo Melo, o tratamento precisa envolver medidas em múltiplas esferas, não apenas a médica. "Todos esses aspectos devem ser trabalhados de uma maneira igualitária. Muitas vezes, as ações de recuperação conseguem visualizar só um desses estados, mas quando não é trabalhado o conjunto, não há êxito", avalia.

O representante da Pastoral da Sobriedade explica, ainda, que a relutância dos usuários em buscar saídas para a dependência é uma realidade. Conforme ele, admitir o mal e reconhecer a necessidade de enfrentá-lo é o primeiro passo rumo à recuperação. No entanto, ressalta que não são dadas condições para que o quadro seja revertido.

Assistência
"A resistência existe, mas o tratamento também é escasso. Há poucas casas de recuperação e pouco apoio do Governo a essas comunidades. Muitas dessas pessoas são de baixa de renda e não possuem meios de pagar pelo tratamento particular. Se não tiverem uma condição financeira favorável, vão ficar sem assistência", destaca Rogério Melo.

Em instituições privadas de Fortaleza, o custo da internação pode ultrapassar a quantia de R$2.000,00 por mês. Resta ao usuário que não pode arcar com as despesas recorrer ao sistema de saúde público, onde o tratamento é feito em leitos de acolhimento em hospitais e comunidades terapêuticas conveniadas à Prefeitura e ao Governo, ou por meio dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps).

Caps AD
Conforme os dados da Secretaria da Saúde do Estado (Sesa), existem 89 unidades em todo o Estado do Ceará, sendo 15 voltadas para o tratamento contra a alcoolemia e a drogadição, os chamados Caps AD. Destes, seis estão localizados na Capital. A assistência prestada nos centros, contudo, é insuficiente e precária, destaca o presidente do Núcleo de Psiquiatria do Ceará (Nupec), Adelmo Pontes.

Segundo ele, de profissionais a medicamentos, tudo está em falta nos Caps. Não obstante, por conta de deficiências em infraestrutura e no quadro de funcionários, Pontes relata que os poucos leitos psiquiátricos disponibilizados nessas unidades estão sendo desativados, deixando de atender os milhares de dependentes carentes de tratamento.

"Os Caps estão praticamente parados. Quem se encontra naquela fase aguda está praticamente desassistido. Todos precisam correr para o Hospital (de Saúde Mental) de Messejana", informa o psiquiatra.

A instituição, único hospital de emergência psiquiátrica do Estado, possui apenas 20 leitos para desintoxicação, voltados somente para o público masculino.

Fora estas, 56 vagas de internação são oferecidas pela Sesa em todo o Ceará. Já Fortaleza conta com um total de 123 leitos distribuídos em três dos Caps AD, na Santa Casa de Misericórdia e em comunidades terapêuticas conveniadas.

Consequências
Diante dos 100 mil usuários de crack no Estado estipulados pela Cufa, o somatório de vagas é ínfimo, avalia Adelmo Pontes. "Algumas pessoas procuraram o hospital sofrendo. Mães que querem tratamento para seus filhos, mas não há. As consequências dessa falta de cuidado podem ser nefastas, desde dependentes que cometem suicídio aos que praticam delitos para conseguir a droga", destaca.

VANESSA MADEIRAESPECIAL PARA CIDADE

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